Heya Maedhros a falar!!!
Maedhros Escreveu:Caríssimo Morbus, a forma como defendes a equivalência conceptual entre duas realidades distintas: a "virtual" e a "real" (cujos nomes pouco interessam para o caso, visto todos saberem o que representam...), mostra sobretudo o degrau da tua imersão neste vasto mundo cibernético, que tu (como muitos de nós) abraçaste.
Acho que sim, mas acho também que é óbvio. Uma pessoa que não conheça o que é jogos nunca vai pensar como eu, por mais que queira. Tens toda a razão.
Maedhros Escreveu:Essa imersão em si, não tem nada de mal, como um hobby, profissão ou mesmo "way of life", porque não é por convivermos com este "admirável mundo novo", que nos tornamos menos humanos ou mesmo pessoas inferiores. Que o digam os ilustres membros destes fóruns. Mas isso não quer dizer que esta realidade seja "equivalente", "similar" ou mesmo próxima da realidade que tu denominas como "outter life" (título, que a meu ver, mostra bem como tu encaras certas facetas do mundo social, como se se tratasse de algo exterior, alienígena ou estranho ao teu mundo particular e pessoal, o tal "mundo interior", onde os jogos são uma faceta importante). Existe uma grande distância entre estes dois universos e a sua relação não é tão simples quanto possa parecer.
Não penso que sejam semelhantes. São, como disseste, até bastante diferentes (e outro dia estava para dizer o que precisamente acabaste de dizer que eu penso)
Vejo que entendes o meu ponto de vista, mesmo sem eu o dizer completamente
(excelente)
Maedhros Escreveu:Mas porquê essa não igualdade? Como tu afirmas e bem, os sentimentos transmitidos num funeral "virtual" ou "real" têm as mesmas dimensões, apesar de expressos em formatos diferentes. No mundo real, transmitimos os sentimentos de uma determinada forma: o uso de vestes soturnas em respeito à sobriedade do momento, as expressões corporais para transmitir o sofrimento que sentimos, a nossa voz para transmitir os pêsames aos familiares, as nossas lágrimas nos libertarmos do peso da tristeza, etc. No WoW, teremos formas diferentes, seja através de emotes, fatos virtuais ou falas no teclado/headset.
Exactamente, no caso do funeral, são formas diferentes (como dizes) para expressar a mesma coisa. Exactamente.
Maedhros Escreveu:Em primeira vista, ambos abordam as mesmas dimensões do pesar, através de interfaces diferentes. Então, existiria uma equivalência conceptual entre as duas, como tu defendes. Pois bem, a meu ver (e como tudo, isto é uma opinião minha), ao alterarmos o interface social usado para um evento desta natureza, alteramos irrevogavelmente a natureza do mesmo. Estamos, em boa verdade, a alterar a forma como interagimos com os nossos parceiros, colegas e amigos, e no processo, a mudar a forma como os percepcionamos e a de como somos percepcionados.
Claro! Alteramos o ritual, alteramos toda a forma como interagimos uns com os outros, isso é óbvio. Mas como disse ao newtomic, eu vejo um funeral de uma maneira muito diferente de muita gente. Talvez seja por isso que estás a dizer isso...
Maedhros Escreveu:Nesse processo, a realidade a que temos acesso muta e o "eu" altera-se com ela a dois níveis: interior (porque os nossos processos mentais são adaptados a essa nova realidade) e exterior (pois o "eu" a que o meio que nos rodeia tem acesso é de uma natureza diferente da que poderia existir num funeral real).
Essas mutações são levadas a um mínimo no mundo da internet e dos jogos online, a meu ver, o que só é excelente. Um leproso terá poucos amigos na outer life mas num fórum pode ter muitos, por exemplo.
Maedhros Escreveu:Daí a diferença marginal entre o evento no mundo "real" e num "virtual". A forma como interagimos com cada um deles é radicalmente diferente, moldando assim o "eu" e consequentemente as nossas acções. A prova máxima desse facto é o ataque ao funeral, um acto marginal e de uma brutalidade inconsciente, que dificilmente os intervenientes seriam capazes de executar no mundo real, visto nesse as consequências de tal acto serem diferentes. Ou seja, a existência de regras diferentes no mundo real e do WoW, foi suficiente para alterar o comportamento desses jogadores, tal como alterou certamente os dos que atenderam ao funeral.
A questão aqui não foi as regras a que os atacantes estavam submetidos mas sim os conceitos que eles faziam do outer world e do WoW. Para eles, muito provavelmente, fazer um funeral no WoW é basicamente imoral. Para mim, por exemplo, fazer um funeral (onde quer que ele seja) sem entender o que estamos a fazer é que é imoral, mas lá está, cada um tem os seus princípios, e estes são moldades à luz dos nossos (des)conhecimentos. Como disse, uma pessoa que não perceba nada de jogos nunca vai pensar como eu em relação a eles.
Maedhros Escreveu:O problema desta alteração comportamental nestes universos virtuais, é a sua distanciação do mundo "real", aquele onde usamos os nossos corpos para interagir, em vez de um teclado, rato, comando e monitor. Essa distanciação, não é má, pelo contrário, é positiva na medida em que permite a exploração de novas dimensões sensoriais, mas apenas desde que seja controlada e doseada, pois em excesso altera irrevogavelmente as nossas formas de interacção social, provocando uma grave alienação do mundo que nos rodeia fisicamente, e que como tal, adquire uma importância muito superior a um que apenas nos rodeie virtualmente.
O contrário também acontece, não te esqueças, e não é menos mau. Há muita muita gente que está simplesmente alienada pelo "mundo real", e isso é mau, decididamente. Se reparaste, no tópico "Escape à realidade" eu disse que para mim é imoral uma pessoa querer ficar agarrada e refujiar-se na condição humana, servindo-se dela como uma desculpa para não evoluir. E querer ficar alienado a esse mundo em que interajimos com o nosso corpo (o "outter world") é, para mim, tão imoral e mau como ficar agarrado a um mundo paralelo como WoW ou mesmo este fórum.
Maedhros Escreveu:Basta olhar para as nossas gerações e comparar os nossos hábitos sociais com os das anteriores, e a forma como isso altera a nossa forma de ser em geral. (...)
Completamente. E de pensar também. Constacto muito isso, mesmo com o meu pai. O pouco que sei de programação, por exemplo, faz-me olhar as coisas de maneira diferente, e o muito que eu leio de ficção também me ajuda a entender melhor a relatividade do mundo. Uma vez disse ao meu pai que nunca se vai a lado nenhum numa realidade se não conhecermos realidades alternativas. Para isso devemos criar as nossas próprias realidades alternativas (ficção) ou conhecer a dos outros. E acho que é um facto que quem lê muita ficção tem mais capacidade de entender os factores sociais que nos rodeiam. Antigamente, era a própria igreja católica a classificar de satânica qualquer ficção que saisse do nosso mundo (para, como é óbvio, promover o obscurantismo patente e impedir o desenvolvimento e evolução do homem). E a maioria das pessoas, mesmo hoje, é muito influênciada por esse obscurantismo, mesmo sem o saber.
Maedhros Escreveu:(...) O facto de estarmos habituados a comunicar através desta parafernália de mecanismos tecnológicos, leva a que, a pouco e pouco percamos ferramentas cognitivas e sociais que nos limitam a diversos níveis, e podem no limite levar a um estado de catarse psico-física no mundo real.
E, de novo, o contrário também acontece. Já nem falo na incapacidade do meu pai comunicar através do Messenger (é mesmo incapacidade, sim), mas sim no facto de adquirirmos novas ferramentas sociais ao utilizarmos novos meios de comunicação. Claro que perdemos ferramentas se as deixarmos de utilizar. A questão é: será que elas são mesmo ecensiais à nossa existência como Homens?
Maedhros Escreveu:Será que é isso que queremos? Porque é a isso que universos como o do WoW levam: a uma vida alternativa em espaços virtuais, onde relegamos a nossa existência física para segundo lugar, quando a relação deveria ser ao contrário, visto que não podemos sobreviver sem comida, bebida e afectos reais, enquanto que os virtuais são desnecessários.
Isso é muito verdade, mas acho que só esquecemos isso porque queremos, ou por desconhecimento. Não é por eu jogar muito ou passar muito tempo em frente ao computador que me esqueço de comer. Esqueço-me de comer (sim) pela mesmíssima razão que o meu avô (falecido há dois anos, teria agora 93 anos) se esquecia de comer quando estava a esculpir (ele era escultor, santeiro para ser mais preciso), e passava dias inteiros a esculpir sempre, sem parar, de tão concentrado e (sim) alienado que estava. É a mesma razão, e, como vês, não é uma razão inerente aos universos paralelos, só porque usamos outro corpo.
Maedhros Escreveu:As consequências de tais vidas é demais aparente a quem quer que conheça verdadeiros "junkies" desta nova droga (que já não são tão poucos quanto isso). (...)
Há muitos, isso é um facto. Mas, agora que falas, não conheço nenhum junkie dos jogos. Conheço dois junkies, sim, um junkie literal (pois...) e um fotógrafo que vive para a sua cannon (ou lá o que é aquilo, já o vi com uma sony, que devia pesar ai 20 quilos
). É como em tudo, haverá sempre pessoas que gostam mais da coisa que outras.
Maedhros Escreveu:(...) Não nos esqueçamos que estes mundos virtuais, são apenas isso: virtuais, e que não podemos existir neles sem existir primeiro no nosso, e... a coexistência pode ser mais complicada do que parece.
Exacto.
Maedhros Escreveu:Por isso a tal expressão "get a life", porque uma vida no WoW não é uma vida por si, é apenas uma imitação, uma concha e uma escapatória ao mundo real (aquele em que temos de inevitavelmente viver, pois é nele que fisicamente existimos), onde as regras, processos e interacções são infintamente mais complexas e avassaladoras... e sem dúvida alguma, muito diferentes! Como tal os jogos devem continuar a ser um complemento ou uma expansão do mundo real, e nunca uma substituição (acabando assim com qualquer pretensão de equivalência).
Não, nunca uma substituição... completa. Mesmo sem o saber tenho vindo a desenvolver esta questão já há algum tempo. Vai ver os meus três capítulos da história que postei no
Crónicas de um jogador e vês uma (como disse) realidade alternativa que criei.
Maedhros Escreveu:P.S. sorry pelo testamento
mas isto é muito complexo, e há muito a dizer...
Claro. Mas não peças desculpa, nós (eu?) é que agradecemos