Mensagem
por Maedhros » terça 17 jan 2006, 21:45
Bem , aí vai o meu contributo, é um bocado extenso e não termina, mas não arranjei forma de ser mais curto. Espero que gostem...
"Estava cansado. Prazos para cumprir não se dão bem com engenheiros informáticos que não dormem há vários dias. Quando saí do escritório, doía-me a cabeça e a minha única salvação parecia ser a minha cama. Chegado a casa, deitei-me e senti um alívio profundo a percorrer o meu corpo e mente. Os meus músculos relaxaram suavemente e um peso enorme saiu da minha consciência.
“Vou dormir que nem um anjo”. – Como estava enganado, o que se seguiu foi tudo menos o paraíso.
Acordei sobressaltado, o meu coração a bater freneticamente, os meus olhos cobertos de lágrimas e todo o meu corpo tenso e dorido. Não tinha memória de qualquer ruído, pesadelo, ou qualquer outro estímulo que me pudesse ter levado a acordar. Pensei se já seria dia, mas ao olhar para o meu despertador, vi as suaves luzes vermelhas a piscarem 00:00. “Meia-noite, porque raio acordei há meia-noite?” Confundido, mas ainda cansado, deitei-me e o sono voltou rapidamente, mas não profundo e docemente relaxante, como anteriormente havia sido. Seguiram-se os piores pesadelos da minha vida até aquele momento, impossíveis descrever com estas palavras rudes e limitativas, de tão horrendos que eram. O que se seguiria seria muito pior.
Acordei de novo. Desta vez, a luz espreitava pela minha janela, inundando as frestas das persianas com uma frieza que fez estremecer a minha espinha. “Mais um dia de chuva…” Levantei as persianas e olhei pela janela, observando as ruas, calmas e desertas, banhadas por um cinzento opressivo, sem qualquer vida nem expressividade. “Hum, ninguém na rua, deve ser cedo”. Olhei para o relógio e ainda marcava as 00:00. “Falha na luz… típico”. Vesti-me e depois olhei-me ao espelho. Tinha um aspecto horroroso: a minha pele estava baça e cinzenta, o meu cabelo despenteado e sem cor, a barba por fazer e duas papudas olheiras chupavam a vida dos meus olhos, que por sua vez tinham o seu verde rodeado de um carmesim sanguíneo, resultado de demasiadas horas em frente de um monitor. Apertei a minha gravata, e depois saí.
Não tinha por hábito comer em casa o pequeno-almoço, por isso dirigi-me à pastelaria mais próxima, a pé. Quando pisei o calçado da rua, olhei em volta. Era tão raro ver a rua assim deserta, que parei por alguns minutos para saborear o silêncio e inspirar o ar puro. Havia algo de profundamente errado com aquele quadro, sentia-o dentro de mim. Estupidamente, ignorei o meu subconsciente e justifiquei o facto com um simples: “É cedo de mais. Devem estar todos a dormir”. Dirigi-me então calmamente para a pastelaria. Durante o curto trajecto, não ouvi nenhum som, que não fosse o do vento, e não vi nem pessoas, nem carros, nem animais. As ruas estavam completamente desertas. Lentamente, começava a sentir-me nervoso, com o meu coração a bater cada vez mais violentamente, fazendo pressão na minha câmara torácica. Sentia um leve deja-vú ao ver aquela desolação e ao sentir o meu pânico. Quase correndo o que faltava para chegar à pastelaria, convencido que lá encontraria os fins aos meus medos, recheado com um café e uma nata, senti o meu corpo a ceder quando reparei, que as grades ainda estavam montadas. “É impossível, já devem ser horas de estarem abertos… Hoje é terça, o que raio se passa aqui?” E a minha pergunta foi rapidamente respondida. O meu deja-vú tornou-se subitamente claro: tinha sonhado com tudo aquilo na noite passada. A solidão completa e total. A inexistência de tudo que nos rodeia e nos é querido. Completamente em pânico, tentei recompor-me, respirando lentamente. Quando estava mais calmo, peguei no meu telemóvel, de mão a tremer, e telefonei a um amigo meu. “Está a chamar” - pensei, como se o facto de algo correr normalmente, fosse indicativo de que isto era meramente um acaso, e que, em breve tudo voltaria ao normal. Mas o telemóvel continuou a chamar e ninguém atendeu. De novo, o meu coração aumentou as suas batidas, provocando uma dor lancinante no meu peito, e senti a minha cabeça a doer fortemente. Ajoelhei-me, incapaz de lidar com toda a situação, e tentei aguentar as dores.
De repente, ouvi um grito ao longe. Assustado, mas já um pouco recomposto, desatei a correr em direcção ao grito, não sabia porque corria, mas a ténue esperança de encontrar alguém, sobrepôs-se ao medo de encontrar “algo”. Corri pela rua abaixo, parando num cruzamento. Tudo fechado em todo o lado e não havia sinal de ninguém. Um novo grito. Precipitei-me em direcção a ele, atravessando a rua a correr como um louco, algo que naquele momento não estava muito longe da minha condição. Encontrei à minha frente um beco, e nesse momento, é que fiquei mesmo assustado. Perante mim, estava algo que eu não sequer conseguia conceber, quanto mais ver com os meus olhos: estava lá uma mulher a chorar, com as suas roupas rasgadas e seios à mostra, sobreposta por o que parecia ser um espírito negro (não sei que mais lhe chamar). Era da cor de um buraco negro, preto como a inexistência, e a sua forma não era fixa, como se tratasse de um líquido, embora se assemelhasse à constituição de um homem. Tinha duas pernas e dois braços, pelo menos algo que se parecia com braços e pernas, mas, na verdade, assemelhavam-se mais a longas garras. No lugar da cabeça, apenas tinha duas pequenas formas longitudinais, como se tratassem de dois cornos do diabo, alguém que, naquele momento, até me parecia melhor companhia. Quando aquela coisa me viu, soltou a mulher, e lentamente dirigiu-se para mim, passo a passo, com as suas “pernas” a fundirem-se com o chão sempre que andavam. Não sabia o que fazer, estava apavorado, e sentia a necessidade idiota de me aliviar, tinha tanto medo, que os meus músculos não me obedeciam. Havia algo de muito errado com aquilo, e eu sentia-o no meu corpo, como se aquela coisa me estivesse a sugar a vida de mim. De novo, o meu coração fazia-se ouvir, parecendo querer saltar do meu peito, e a minha cabeça doía muito, parecendo querer colorir o passeio de cor-de-rosa, a qualquer momento. Aquilo parou a um passo de mim, mexendo a sua “cabeça” lentamente, como se me estivesse a observar. Soou um riso grave e profundo, cujas ondas sonoras vibraram na minha cabeça, fazendo-a doer ainda mais. Nesse momento, surgiu uma espécie de cabeça no seu tronco, seguida de dois olhos brancos como o cal, e uma boca fina e bem delineada.
“Parte ou terei de te matar” – proferiu na sua voz grossa e ribombante. Por um momento, pensei em fugir, mas depois os meus olhos pairaram sobre a mulher, e ao vê-la caída, na posição fetal e chorando baixinho, percebi o que se estava a passar: aquilo estava a violá-la. Confrontado com a dureza cruel daquela realidade que não compreendia, lágrimas vieram-me aos olhos, e o meu medo da criatura, tornou-se um ódio visceral. Rangendo os dentes, preparei-me para lutar com ele e proferi: “Seu… monstro… o que raio és tu?” Parecendo contente, sorriu para mim e disse: “Escolha errada!”. Uma dor forte percorreu o meu corpo, enquanto via um dos seus braços a trespassar-me, e a sua escuridão a envolver-me, esvaziando a cor do meu olhar, e lentamente, comecei a sentir a minha consciência a fugir-me, lentamente, a fugir-me… Até que o meu ódio me deu forças para resistir, e, aí, lutei contra aquele monstro, esperneando-me de toda a forma possível, enquanto ele se ria dos meus esforços. “Idiota.” Nesse momento, surgiu uma luz branca, que nos envolveu a mim e a ele, uma luz tão brilhante e viva, que era como se aquele branco brilhasse simultaneamente com todas as cores. Um esgar de medo e dor surgiu no seu olhar, enquanto gritava “Não!”, numa voz muito mais humana. Rapidamente, o negro do monstro desapareceu. Antes que pudesse perceber o que acabara de ocorrer, senti-me mal e cansado, e perdi os sentidos por completo… Tudo tinha mudado naqueles curtos instantes, e apenas tinha visto o topo do iceberg. Instintivamente, sabia que o pesadelo não tinha terminado."
Última edição por
Maedhros em quarta 18 jan 2006, 1:42, editado 1 vez no total.
"Olive: Grandpa, am I pretty?
Grandpa: You are the most beautiful girl in the world.
Olive: You're just saying that.
Grandpa: No! I'm madly in love with you and it's not because of your brains or your personality. " in Little Miss Sunshine
A ver: "Little Miss Sunshine" de Jonathan Dayton e Valerie Faris
A jogar: "Xenosaga Episode III - Also Sprach Zarathustra", "Dead Rising"
A ler: "Death is a Lonely Business" de Ray Bradbury
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